Discussão: Por trás da máscara
- integralizablog
- 5 de abr. de 2023
- 2 min de leitura
“Quando tocar alguém, nunca toque só um corpo. Quer dizer, não esqueça que está tocando uma pessoa e que nesse corpo está toda a memória de sua existência. E, mais profundamente ainda, quando tocar um corpo, lembre-se que está tocando um sopro, que este sopro é o sopro de uma pessoa com seus entraves e dificuldades e, também, é o grande sopro do universo. Assim, quando tocar um corpo, lembre-se de que está tocando um templo.” Jean-Yves Leloup
Os modelos de anamnese dos livros didáticos não são elaborados para os contextos psicossociais de vulnerabilidade presentes na nossa Atenção Básica. Os pacientes recuperam memórias para narrar suas vivências, e quando são precedidas de grande sofrimento mental não é incomum se renderem ao choro. O profissional capaz de se emocionar diante desse tipo de queixa se reconhece na angústia do outro, e quando esta é abordada com empatia e simpatia, o vínculo médico-paciente perpassa o modelo mecanicista.
De acordo com Gérvas et al, o exercício da medicina requer a prestação de suporte emocional aos pacientes, no qual a simpatia e a empatia são essenciais para a compreensão do sofrimento e promoção de cuidados. Cuidar da dor do outro torna-se uma das maiores responsabilidades da profissão.
Segundo Santos et al, ao entrevistar 16 preceptores de MFC no estado do Rio de janeiro, observou-se que os principais motivos citados pelos preceptores para o choro dos pacientes foram: sofrimento mental; luto; catarse; relacionamento interpessoal conflituoso; queixa oculta; chantagem/manipulação; culpa; violência; angústia e demanda por atenção. As técnicas e ferramentas utilizadas para manejo de pacientes que choram na consulta foram subdivididas em verbais ou não verbais. As verbais consistiram no uso de perguntas, frases específicas, mirroring verbal e abordagem de IPE e PSO (ideias, preocupações e expectativas; psicológico, social e ocupacional). Já as técnicas não verbais mais utilizadas foram: silêncio; oferecer um lenço; toque; mudança na postura; abraçar o paciente e aproximação física. O silêncio funcional fornece espaço para o paciente se concentrar ou criar uma sensação de tensão que o leva a dizer ou fazer coisas que originalmente não pretendia fazer.
No caso de Dona Ana, uma forma atípica de depressão, o silêncio permitiu que ela compartilhasse sua história e dificuldades. Se apresentar e despedir como uma pessoa sorridente é um exercício da resiliência diante do luto e da violência, mas também se configura como um indício de intenso sofrimento mental.
Salienta-se, enfim, na comunicação médico-paciente, a importância de se ter o domínio das técnicas para saber utilizá-las de acordo com o contexto e não se limitar a aplicá-las como um manual de instruções. A prática e convivência são elucidativas no aprendizado dessa interação.
REFERÊNCIAS
Gérvas J, Pastor-Sánchez R, Pérez-Fernández M. Pacientes que choram em medicina geral/de família: incidência, razões de consulta e problemas de saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade 2012;7(24):171-6. https://doi.org/10.5712/rbmfc7(24)629
Santos MCL, Bastos GSP, Mantovani AS, Santos BP. Quando o paciente chora na consulta: a experiência de preceptores de Residência em Medicina de Família e Comunidade. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2022;17(44):2586. https://doi.org/10.5712/rbmfc17(44)2586
Comentários