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Eu cuido de tudo, mas quem cuida de mim?

  • integralizablog
  • 12 de mar. de 2024
  • 3 min de leitura

Acordo em uma sexta-feira como qualquer outra, me levanto, tomo meu banho, me visto, não tomo meu café da manhã, estou me atrasando, completamente desregulada pela rotina de final de ciclo, a semana foi intensa, todo dia teve prova, não dormi mais que 4 horas por noite, coloco isso na culpa da rotina, afinal, é mais importante me dedicar as minhas obrigações curriculares do que qualquer outra coisa, certo? Errado. Prossigamos, arrumo minha mochila, jaleco? Ok. Estetoscópio? Ok. Esfigmomanômetro? Ok. Fita métrica? Ok. Termômetro? Ok. Caderno e caneta? Ok. Pego a chave do carro e vou em direção ao local do atendimento, vou cantando, o fim do ciclo está terminando, logo mais serei ½ médica, uau, o tempo passa rápido e já já serei médica. Chego na unidade, dou bom dia aos pacientes que estão esperando ao longo do caminho, a maioria idosos, contudo, reparo por uns 3 segundos a mais em uma jovem, sem lesões ou qualquer coisa aparente que os poderia trazer até ali naquele momento ou horário. Contudo, continuo seguindo, entro na sala, recebemos as orientações de sempre, vou com minha dupla de sempre, fazer o que sempre fazemos.


Já na sala de atendimento, da mesma forma de sempre, com as delegações previamente atribuídas, chamamos o nome da nossa paciente. Contudo, a mente não parava de pensar nas questões que errei, no que poderia ter feito de melhor, na forma de me organizar melhor, meu Deus, tem mercado pra fazer, mas e aquela questão? Eu poderia muito bem ter me esforçado melhor. Para minha surpresa, a nossa paciente, que aqui vamos chamá-la de Z. 31 anos, estava adentrando a sala. Uma mulher jovem, nos informa sua condição com uma organização e eloquência invejável.


Ao decorrer da manhã e das informações que vamos recebendo, fico com a mente dividida entre estar ali, dar o meu melhor e pensar que eu poderia ter dado o meu melhor em outros momentos. A Z., uma mulher jovem, muito jovem, sofria de uma rotina tão exaustiva que o nível de estresse afetava em todos os âmbitos de sua vida, ela não tinha tempo para lazer ou qualquer outra coisa que não fosse seu cargo de alta responsabilidade e suas questões domésticas e familiares. Não havia tempo para viajar ou ver os amigos, minha nossa, não fui eu que desmarquei uma noite de filmes com minhas amigas para estudar? A Z. estava mais que exausta, sua expressão corporal e sua mente demonstravam a necessidade de uma pausa, mas durante a consulta o celular dela tocava, o trabalho ligando, a faculdade cobrando atenção, o acompanhante cobrando atenção, quem sabe. Conversamos mais um pouco e ficou claro pra gente, Z., você cuida de tudo, mas não cuida de si.


Posteriormente, ao repassar o caso para a nossa professora responsável, já prevendo o que iria acontecer, estávamos no aguardo de um puxão de orelha ou algo do tipo, mas foi tudo mais intenso e mais sério do que achávamos porque me atingiu diretamente. Essa moça, jovem, nas condições de vida que possui, na saúde ou na doença, não importa neste momento, não conseguia parar por um segundo para olhar a si e visualizar que o seu corpo, sua alma e sua mente, necessitava de um cuidado, não qualquer cuidado com remédios e exames, um cuidado do todo, um cuidado de si, da sua integralidade, da sua vida, da sua volta, das suas necessidades, que ela própria se negligenciava, mas fazia questão de dar esse cuidado aos outros. Refletindo, durante o sermão (ou conselhos?) que ela recebia, fui me reconhecendo e me vendo nela, me vi fazendo as mesmas escolhas que ela fazia. Será que vale a pena viver dessa forma? Não tem nem tempo para responder essa pergunta, não vale, nunca valeu e nunca valerá. Me peguei triste, como eu fui capaz de julgá-la por se descuidar tanto, priorizar coisas que não a priorizada de volta, sendo seu futuro e sua saúde completamente ameaçada, sendo que faço a mesma coisa?


Ao fim da consulta, com todas as orientações que ela recebeu, nos despedimos, terminei meus afazeres, minha mente ocupada, agora, de formas alternativas de reverter o cenário que me encontrei. Pego a chave, dirijo para casa, mas sem músicas ou canto, visualizando uma cama para dormir e descansar, finalmente. O fim do ciclo chegou, já sou ½ médica, que desespero!! O tempo passa rápido, já já serei médica. Mas, afinal, que tipo de médica serei eu se cuido de tudo, mas não cuido de mim?


Bruna de Jesus Prata

 

 

 
 
 

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2 Comments


Maria Suely Silva Melo
Maria Suely Silva Melo
Mar 14, 2024

Se todo estudante visse a importância do investimento na sua subjetividade , tanto quanto no seu preparo objetivo da formação , acredito que o mundo seria mais humano e as doenças seriam bem menos incidente, e a sociedade mais humanizada, e os seres humanos mais felizes. é fato que não são, e a sociedade cada vez mais doentia em busca eterna de uma nova tecnologia que nunca resolverá o que precisa ser resolvido por está dentro de cada ser humano, o externo demonstra apenas o que há dentro de cada um que constitui a sociedade.


Que busca é essa que nos leva a querer investir no ter e no ganhar: títulos, status, bens matérias. Esquece do básico cuidar de si par…


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Aike Teixeira
Aike Teixeira
Mar 12, 2024

Muito lindo

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