Frequentando uma UBS
- integralizablog
- 12 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Frequentar a UBS semanalmente pela primeira vez durante quase 3 anos de curso me impactou de modo a me deixar com bastante receio do que aquilo poderia significar para mim. Até aquele momento, o único contato que eu havia mantido com pacientes reais ao longo do curso havia sido dentro de hospitais, em que me era exigido simplesmente uma anamnese simples, mais focada em queixas objetivas que os pacientes apresentavam. Assim, fui introduzido ao método SOAP de como abordar e lidar com o paciente.
A priori, preciso ser sincero e dizer que as minhas primeiras experiências com tal método foram um tanto quanto truncadas e sem jeito... À medida que as semanas avançaram consegui, pouco a pouco, ganhar familiaridade e eficiência, sem no entanto, deixar de valorizar a individualidade de cada um.
A paciente em questão, que será abordada nesse relato, cujo nome será mantido em sigilo, foi uma das primeiras com quem tive contato sob esse método e, também, foi a última nesse meu primeiro ciclo.
Ela, assim como a esmagadora maioria dos pacientes com os quais lidei, chegou à UBS com vários problemas de saúde, sendo esses de diversas naturezas e impactos na vida dos pacientes. Nesse caso específico, a queixa que me fez prestar atenção na importância da integralidade e abordagem ampla do paciente foi uma depressão devido ao luto pela perda de um filho, que havia falecido há pouco mais de um ano.
O detalhe da tristeza era muito nítido, sendo percebido tanto na face da paciente como no modo como ela falava e encarava a vida. Isso levou ela a, com efeito, ter uma vida solitária, com uma alimentação de pouquíssima qualidade e uma letargia que a deixou ainda mais sedentária e acima do peso. Tal detalhe foi referido em meio a tantas outras informações durante o registro do "subjetivo" da paciente, de modo que, no fim das contas, a conduta pôde ser mais acertada e ampla no manejo dos problemas secundários referidos por ela até então.
Aliás, a experiência com essa paciente também me trouxe algo que até então eu ainda não tinha vivido dentro do curso de Medicina: o segundo encontro com um mesmo paciente. De certa forma, encontrá-la novamente foi um tanto quanto animador, já que as expectativas eram relativamente altas para que uma melhora dela surgisse após um primeiro encontro com prescrição de tratamento e terapia.
Infelizmente, tais expectativas foram, de certo modo, frustradas. Principalmente por dois fatores, os quais eu ainda não tinha lidado até então: o primeiro deles é a falibilidade do sistema, que apresenta muitos atrasos, redundâncias, filas de espera e maus serviços; o segundo, a resistência da própria paciente ao que se havia convencionado como conduta terapêutica inicial na primeira consulta.
Por exemplo, fatores como mudanças de hábitos alimentares menos deletérios ou mesmo adesão a algum tipo de atividade físicas, que poderiam partir de uma iniciativa da própria paciente, foram negligenciados por ela e tiveram sua importância reafirmada durante o segundo encontro. "Não se pode ajudar quem não quer ser ajudado”, afinal.
De modo geral, a possibilidade de experienciar "uma consulta de retorno" acrescentou bastante ao meu repertório de experiência, seja pelas expectativas, pelas frustrações, ou pela oportunidade de acompanhar alguém "sob seus cuidados". Apesar de não ter certeza se a verei novamente, espero que os empecilhos do sistema e os intrínsecos a ela consigam dar espaço a uma melhora de vida genuinamente digna de nota.
Erick Leonardo Melo Dias
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