No fundo dos seus olhos
- integralizablog
- 12 de nov. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de dez. de 2021
Era uma manhã feliz, na qual eu e meus colegas estávamos radiantes com a volta das práticas. Para ser justa devo afirmar que naquele dia a ansiedade também marcava presença, afinal, era nosso primeiro atendimento!
Em meio a tantos sentimentos, na noite anterior, pensei em como seria a primeira consulta e tentei organizar tudo da melhor forma possível, mas ainda estava insegura, tinha medo. Até que em um certo momento parei e pensei: “enquanto eu olhar no fundo dos olhos dos meus pacientes e conseguir enxergar o Deus que existe no outro, eu serei uma boa médica”. Esse pensamento me tranquilizou.
No entanto, a vida me surpreendeu com o caso de Dona Maria Lúcia...
Após as orientações da professora naquela manhã, peguei o prontuário e organizei os instrumentos necessários para o atendimento, depois fui a procura da paciente. Enquanto caminhava pelo corredor pensava: “Olhe bem nos olhos dela, assim você conseguirá enxergar o melhor nela, e tudo dará certo”.
Então, ao chegar na recepção a chamei: “Dona Maria Lúcia?”.
Logo uma senhora levantou-se de forma devagar e dolorosa. Em seu semblante podia-se perceber dor e tristeza, assim, olhei em seus olhos e perguntei: “tudo bem, dona Maria Lúcia?”, e mesmo com todas suas dores ela respondeu: “Tudo.”
Caminhamos até a sala, ao entrar apresentei-me e expliquei como aconteceria a consulta, mas Dona Maria Lúcia não queria saber de conversa e foi logo mostrando os exames laboratoriais que havia feito. Ela estava ansiosa, e a todo momento afirmava que precisava ir, pois tinha muitos problemas a resolver, como contas para pagar.
Intrigada, perguntei por que tanta pressa e se essas contas não poderiam ser pagas um outro momento. A resposta que recebi me fez refletir, uma vez que a senhora de 70 anos, a qual tinha diferentes problemas de saúde, era obrigada a realizar diversas tarefas diariamente, desgastando-se físico e psicologicamente, pois vivia sozinha sem nenhuma rede de apoio.
Questionei se ela não tinha parentes que pudessem ajuda-la, e infelizmente, dos seus três filhos, dois viviam em cidades distantes e um ela não conhecia, pois esse foi tirado dela com poucos dias de vida. Ainda afirmou que não possuía fortes contatos com seus irmãos e o único familiar próximo, o sobrinho, era motivo de transtornos constantemente.
Com todo esse relato, comecei a refletir o quão difícil era a vida daquela paciente, que tinha tantos problemas, porém nenhum apoio. Então olhei em seus olhos e perguntei: “Com toda essa situação, como a senhora se sente?”, Dona Maria respirou fundo, e com os olhos baixos disse: “Eu sou triste, ninguém queira ter uma vida como a minha”. Nesse momento fiquei paralisada. Senti o vazio daquela vida solitária, senti o quão triste pode ser uma vida sem irmãos, amigos, filhos e familiares.
Naquele dia aprendi a valorizar mais as pessoas que me cercam, sem elas a vida não teria a menor graça. Não existe a mínima felicidade em se viver sozinho, pois compartilhar momentos é essencial! Assim, em reflexões mais profundas cheguei a comparar nossas vidas a árvores, afinal, uma vida feliz é aquela que compartilha aquilo que tem e finca raízes sólidas e extensas como as de um salgueiro, e Dona Maria Lúcia era uma árvore linda, porém esquecida, e toda planta, quando não se rega e cuida, a vivacidade começa a se perder. Aquela senhora só precisava de mais amor, era o melhor remédio que poderia ter.
E no fundo dos seus olhos havia apenas uma senhora que pedia por mais amor e atenção. Uma senhora que precisava de abraços, carinho e doses generosas de afeto.
No fundo daqueles olhos eu vi o Deus que procurava, mas ele pedia ajuda para aquela filha solitária. No fundo daqueles olhos aprendi que realmente temos que amar e cuidar uns dos outros, afinal, a vida solitária não possui a menor graça. Por isso...
Vamos abraçar! Vamos viver! Vamos amar!
Autoria: Débora Santana Santos
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