Por muito tempo silenciei essa memória
- integralizablog
- 29 de out. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de dez. de 2021
Eu estava no sexto período de faculdade, metade do curso de medicina. Estágio voluntário no hospital público da cidade. Naquela noite chegou um rapaz com cerca de 18 anos, tossindo e com falta de ar. A mãe preocupada disse que ele estava jogando futebol com os amigos e começou a passar mal. Fiz a coleta da história, exame físico e fui conversar com o médico plantonista que estava na sala de repouso. Relatei o caso, ele fez as orientações. No repouso estava. No repouso continuou. Não se interessou de ele mesmo conversar ou examinar o paciente que acabei de passar o caso. Segui conforme orientado. Após algumas horas, o rapaz começou a apresentar secreção rosa-claro pela boca. Chamei o primeiro médico que vi no corredor, ele, diferente do anterior, prontamente atendeu, tentou intubá-lo e quanto mais ele tentava passar o tubo, mais secreção aparecia. Pra mim, era uma cena desesperadora, porque o paciente da minha idade, a pouco atendido por mim, passei o caso, ninguém se interessou em examiná-lo, apesar da minha solicitação, estava parando. Parando... E não foi possível intubá-lo.
Fiquei sem fôlego. Corri para fora do hospital, não conseguia aceitar, não conseguia chorar. Era uma mistura de culpa, raiva, decepção. Culpa, por achar que eu poderia ter feito mais. Raiva de não ter tido a ajuda do médico plantonista, que não saiu do repouso. Decepcionada com a medicina que eu estava alí por escolha, por amor e para aprender a viver. E eu estava apenas na metade do caminho.
Uma parte do encanto que eu tinha pela medicina morreu também naquele dia. Foi quando eu senti que a prática da saúde não dependia só de mim. Não dependia só do meu encanto. E eu não queria que fosse assim. Será que minha empolgação se apagaria com o tempo? Eu tinha que continuar.
Autoria: Anônimo 26
A sala de repouso não e um momento para omissão ele não está preparado para o que se propôs espero e desejo que ele tenha despertado para o servir pois maior felicidade e se doar ao próximo e ter consciência ao que se propôs.
Penso que esse relato é mais comum em nossas memórias do que possam imaginar. Tenho os meus traumas semelhantes. Lembro que um professor da faculdade dizia que todos nós, médicos, teríamos um cemitério particular cujos corpos ali estariam por responsabilidade nossa. A diferença entre os médicos seria o tamanho do cemitério. Enquanto alguns teriam apenas um pequeno como um quintal, outros teriam um latifúndio. Errar é humano e nosso erro é inevitável. Acho que é correr atrás para que nossas ações gerem sempre o maior benefício possível e o menor dano possível. E seguir.