top of page

Quando a mente não descansa

  • integralizablog
  • 3 de fev. de 2023
  • 2 min de leitura

Naquela sexta-feira de dezembro, eu estava ansiosa para o próximo atendimento. Agora no terceiro ano do curso de medicina, após um segundo ano pandêmico turbulento, me sentia assim a cada novo paciente.

Chega E.N.O., o primeiro paciente do sexo masculino que eu atenderia. Um tanto tímido e com pouco contato visual, o jovem me entregou os resultados de exames que o fizeram ir até aquela consulta. Pedi que me falasse sobre como se sentia naquele momento e quais eram os seus hábitos no presente, uma vez que tinha histórico de pirose e infecção por H. Pylori. Ele contou que se sentia bem de maneira geral, mas a “queimação na garganta” persistia e, às vezes, tinha uma sensação de “bolo na garganta”, das quais tentava se livrar escovando muitas vezes os dentes e língua e bebendo água gelada. Os exames trazidos por E.N.O. não apresentavam alterações significativas, assim como o seu exame físico. Reforcei a importância de tentar uma alimentação o mais natural possível e de aumentar a ingestão de água, pois, mesmo já tendo realizado mudanças significativas, ainda mantinha hábitos que o prejudicavam, como ingestão diária de bolacha recheada e suco industrializado.

Mas não era apenas isso.

Não se tratava apenas da questão técnica de mudar hábitos alimentares.

Nessa conversa sobre alimentação, encontrei a principal questão dele: suas refeições “desequilibradas” coincidiam com os momentos em que se sentia mais sobrecarregado em seu trabalho. Entendi que estava em um ciclo de estresse – alimentação industrializada – alívio temporário – sintomas físicos. Conversei abertamente sobre a minha visão do problema e ele parece ter aberto os olhos também. Não havia se enxergado nesse lugar até aquele momento.

A partir disso, ele trouxe outras questões que também julgava ser gatilhos no seu processo: parou de jogar futebol porque estava sempre no trabalho; fazia poucas atividades de lazer com sua esposa e filha pelo mesmo motivo; discutia com a esposa frequentemente porque ela queria apenas “o necessário para sobreviver”, enquanto ele queria “crescer na vida” através do trabalho. Era um homem de visão empreendedora em um meio que não valorizava isso. Um ser humano que foi ensinado a trabalhar duro, mas que nunca aprendeu sobre a importância do descanso. Uma pessoa que não se permitia parar, por entender que a pausa prejudica a produtividade. Um individuo que tentava retirar o nó em sua garganta de forma manual, com a sua escova de dentes. Um homem que se abriu para enxergar o seu interior e para aprender que o primeiro e mais importante trabalho é estar bem consigo, para então estar bem com o seu meio e com os seus.

E.N.O., com a sua determinação e simplicidade, me ensinou muito neste dia. Foi a primeira consulta que me deu o sentimento de “dever cumprido”.


Francieli dos Santos Silva

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
Discussão: Etiologia

A autora relata que após a paralisação das atividades acadêmicas na pandemia do COVID-19 reiniciou um velho hábito, o da leitura.Há...

 
 
 
Etiologia

Durante os quase 2 anos de pandemia as atividades presenciais da Universidade Federal de Sergipe foram suspensas, sendo as atribuições...

 
 
 

1 Comment


Alana Faleta
Alana Faleta
Apr 04, 2023

Que texto incrível 👏🏽👏🏽

Like

© 2023 por Integraliza. 

  • Instagram - Black Circle
bottom of page