Senil juventude
- integralizablog
- 12 de jun. de 2023
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Em uma sexta-feira não tão típica na UBS, pois estávamos realizando uma das etapas da avaliação do rodízio de habilidades, eu e Martins (nome fictício) estávamos nos preparando para o nosso atendimento.
Era a primeira vez do paciente na unidade, então só tínhamos em mãos suas informações básicas, tais como nome, idade e sexo. Com essas informações gerais, começamos a imaginar como seria o perfil do paciente que estava na eminência de ser atendido. Devido à sua idade relativamente avançada, mais de 70 anos, pensamos que se trataria de um indivíduo mais recluso, pouco comunicativo e com algumas limitações e comorbidades, pois o mesmo estava acompanhado de sua filha.
No entanto, estávamos completamente equivocados, felizmente.
O paciente chegou à nossa sala muito comunicativo, sentindo-se bem, sem nenhuma queixa, apenas vindo com intuito de mostrar uma ultrassonografia, a qual indicava que possuía hérnias supra intraumbilicais. Ao nos debruçarmos sobre a história do paciente, descobrimos que o mesmo fora diagnosticado com câncer de próstata há aproximadamente 3 anos, porém, apesar do medo, essa situação não o fez perder a vontade de viver; muito pelo contrário, o Sr. Joaquim continuou realizando suas atividades, que, diga-se de passagem, nos surpreenderam. Não é muito comum uma pessoa com mais de 70 anos ir para matagais caçar passarinhos, muitas vezes acompanhado de conhecidos, fazer pé de moleque e trabalhar como pintor. Talvez seja esse o segredo de sua juventude, de sua energia tão jovial: estar sempre realizando coisas que não só o mantém ativo, como também geram satisfação. De fato, Sr. Joaquim, pela forma com que falava dessas atividades, juntamente com sua participação no terço dos homens, que, de certa forma, gera uma sensação de pertencimento, deixou claro a importância em sua vida.
Durante a consulta, Sr. Joaquim se mostrou ser uma pessoa muito bem esclarecida, atenta e receptiva às nossas sugestões. Se nós estávamos dizendo que faria bem, dizia Sr. Joaquim, ele faria sem problema nenhum. Essa confiança que ele teve conosco reforçou ainda mais a nossa responsabilidade como profissional de saúde: o nosso compromisso de estarmos sempre nos aperfeiçoando para promover a melhor conduta para nossos pacientes; essa confiança também me lembrou da seguinte frase que, outrora, li enquanto estudava semiologia: “Estou em suas mãos, Doutor”. Essa afirmação, apesar de parecer comum à primeira vista, externa que o paciente está nos entregando o futuro de sua vida, a ponto de permitir que decidamos o que é melhor para ele, exatamente o que aconteceu nesta consulta que pude participar.
Antônio Carvalho Azevedo
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