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Será que estou no caminho certo?

  • integralizablog
  • 19 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura

No dia 25 de outubro de 2019, tive a segunda aula do módulo de saúde do adulto. Minha turma e eu chegamos no povoado por volta das 8 horas e fomos direto para a Sala de Reuniões da Unidade Básica de Saúde, onde a professora já estava a nossa espera. Eu estava um pouco cansado, o que pôde ser percebido pelo fato de que eu não cantei no ônibus como normalmente. Mas, ao mesmo tempo, estava feliz em estar lá mais uma vez.

Após uma breve discussão sobre o nosso calendário, o conteúdo do dia e os casos que minha turma havia pegado na semana passada, a professora falou que iríamos começar a atender. Nisso, ela virou para Luna, minha dupla, e para mim e nos comunicou que a nossa paciente da semana passada, Dona Tereza, havia retornado com o mesmo quadro de dor. Apesar de feliz em atendê-la novamente, fiquei também um pouco triste pela situação em que ela se encontrava.

Dona Tereza é uma paciente antiga da UBS. Ela tem 45 anos e possui um quadro de dor generalizada e persistente há 6 anos. Além disso, em sua história pregressa, há várias enfermidades como derrame pericárdico, artralgia, rash cutâneo, anemia, depressão, cistos e sangramento uterino anormal. Apesar de ter sido acompanhada por muitos profissionais da saúde, ela relata que nenhum deles havia descoberto a fundo o que estava acontecendo.

Na semana passada, no dia 18 de outubro, Luna e eu a atendemos. A consulta havia sido maravilhosa, tanto para nós, estudantes, como para ela, a paciente. Estabelecemos laços e estudamos bem o quadro dela. Nela, a professora comunicou-nos que estava suspeitando de Lúpus Eritematoso Sistêmico. Sendo assim, com o seu retorno, ficava claro que teríamos que investigar melhor essa hipótese. No entanto, com o decorrer da consulta, nem tudo foi como planejamos.


Chamamos a paciente para o consultório. Pude perceber que ela parecia estar mais feliz em comparação à semana passada. Ela sorria mais e falava com mais energia. Isso já me deixou mais feliz. Mais ainda, quando Luna questionou como ela estava e, com um sorriso, ela respondeu: “Estou bem melhor, graças a vocês. Vocês me ajudaram bastante”.

Nossa! Fiquei bem emocionado. Sorri e disse que estava muito feliz em escutar aquilo. Por dentro, eu senti uma das melhores sensações da minha vida, sabe? Uma sensação de que estou no caminho certo. De que estou melhorando e de que se eu continuar me esforçando, eu posso conseguir bastante.

Seguindo, ela contou-nos que estava saindo mais com as amigas e que estava frequentando os grupos da Igreja, como havíamos sugerido. Contou-nos também que estava se separando do marido, pois, como havia nos contado na consulta anterior, ela sentia que ele não entendia o seu quadro e que “talvez” estivesse fazendo pior para a saúde dela.

Depois desses pontos, iniciamos a investigação do quadro de LES. Questionamos sobre a presença de aftas. Para nossa surpresa, ela relatou que tem aftas recorrentes sim, algumas de grande duração. Nesse momento, atingíamos 4 critérios, o mínimo para o diagnóstico. Fiquei um pouco preocupado e sem saber muito bem o que fazer. Voltei a ficar confuso e, talvez, um pouco insuficiente. Porém, seguimos com a consulta e fomos para o exame físico. Mudamos de consultório porque o que estávamos não tinha maca. Questionei se ela estava confortável com a mudança, mas ela disse que sim e isso me tranquilizou um pouco.

Fiz o exame físico de uma maneira que até me deixou surpreso: quase completo e conciso. Avaliei aspectos que já havíamos visto anteriormente e encontrei novos que me deixaram bastante ansioso. A maioria dos sinais do exame abdominal para pesquisa de apendicite aguda foram positivos. Subiu-me uma preocupação tão grande nesse momento. Porém, segui. Ao analisar as pernas, percebi a presença de manchas brancas e fiz os testes de sensibilidade. Mais um susto... a sensibilidade nesses locais estava deficiente, o que poderia ser sugestivo de Hanseníase. Daí, já comecei a ficar desesperado, mas tentando esconder ao máximo.

Finalizando o exame físico, saí atrás da professora. Não a encontrei e fiquei um pouco mais nervoso com a situação. Pedi para que uma amiga a avisasse que precisava dela com urgência. Talvez, hoje, até me envergonhe desse “alarde” todo. Mas, na hora, não, pois estava bastante preocupado.

Quando a professora chegou, Luna e eu explicamos tudo o que havíamos encontrado de novo. A professora até se assustou um pouco, mas conferiu tudo. Uma parte de mim pensou e até queria que eu tivesse errado. Mas não. Eu fiz certo. Até fiquei em choque. O pensamento de “Caramba, eu fui mesmo capaz disso?”.

Assim, mudamos imediatamente de prioridade: de LES para a apendicite aguda, já que esta não podia esperar. Fizemos um relatório para um cirurgião a fim de que ele pudesse avaliar melhor o quadro e tomar as medidas necessárias. Encaminhamos, também, para a dermatologia a fim de que o quadro de hanseníase fosse melhor avaliado.

Com isso, nos despedimos da Dona Tereza e falamos para ela retornar na próxima semana para que pudéssemos analisar os outros problemas e passar os devidos exames para a confirmação do LES.

Ao final da manhã, retornei à sala de reuniões e fiquei bastante pensativo sobre o dia. Como ficou claro, eu sou uma pessoa que sempre duvida de si mesmo, mas que também se preocupa bastante. Porém, nesse dia eu tive a consciência de que fiz o que pude e que sabia.

Aos poucos, sei que posso deixar a insegurança de lado. Sei que posso parar de me comparar com as pessoas ao meu redor, pois cada um tem o seu tempo. E eu sei, também, que aos poucos vou me tornar um profissional maravilhoso.


Lucas Pereira dos Santos


Comentário do blog:

Lendo a narrativa de Lucas nos deparamos com diferentes sentimentos despertados no aluno durante o atendimento. Primero, tristeza pela paciente ter retornado com quadro de dor. Depois, alegria pela gratidão demonstrada pela paciente em relação ao atendimento anterior e como ele havia impactado na sua vida de forma concreta. Depois, preocupação pelas suspeitas diagnósticas levantadas na consulta e por último, insegurança em relação à gravidade do diagnóstico.

É interessante perceber como ele passa de uma emoção a outra durante o relato de uma forma consciente, se percebendo e sinalizando pontos importantes para a construção de um profissional humano, que tem alegrias e tristezas, seguranças e inseguranças, mas, acima de tudo, preocupação com o bem estar da paciente, almejando ser um profissional que quer cuidar e quer dar o melhor de si.

Como lidar com tantas emoções diferentes durante uma consulta médica? Em geral, os estudantes de medicina têm poucas oportunidades para refletir sobre suas emoções, e isto pode levar a uma diminuição da sua autoconfiança para lidar com pacientes, particularmente em situações de estresse. Como consequência podem surgir o distanciamento emocional.

Neste contexto, a consolidação de uma identidade profissional comprometida com os interesses do paciente pode ser um desafio se os estudantes não estiverem confortáveis em seus papéis de cuidadores. Muitas vezes, o currículo médico não cria oportunidades suficientes para refletir sobre o desenvolvimento da identidade profissional e sobre os desafios da prática médica futura.

Refletir sobre as doenças e seus impactos na vida dos pacientes pode motivar os estudantes a aprender Medicina, permitindo o resgate do significado pessoal e social de sua prática. É importante nutrir uma identidade profissional comprometida com a empatia e com os interesses dos pacientes. Atividades planejadas para abordar a influência e a importância das emoções na prática médica podem ajudar os estudantes no processo de reconciliação entre suas identidades pessoal e profissional, aprendendo a reconhecer e a lidar com as suas próprias emoções, assim como com as do paciente.


Recomendações de leitura:


1. de Carvalho-Filho, M. A., Schaafsma, E. S., & Tio, R. A. (2018). Debriefing as an opportunity to develop emotional competence in health profession students: faculty, be prepared!. Scientia Medica, 28(1), ID28805. https://doi.org/10.15448/1980-6108.2018.1.28805


2. Benedetto MAC, Moreto G, Janaudis MA, Levites MR, Blasco PG. Educando as emoções para uma

atuação ética: construindo o profissionalismo médico. RBM. Revista Brasileira de Medicina (Rio de

Janeiro). 2014;71:15-24.


3. Quintana, Alberto & Rodrigues, Arnaldo & Arpini, Dorian & Bassi, Luis & Cecim, Patrícia & Santos, Maúcha. (2008). A angústia na formação do estudante de medicina. Revista Brasileira de Educação Médica. 32. 10.1590/S0100-55022008000100002.

 
 
 

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