Sobre cuidar
- integralizablog
- 17 de fev. de 2023
- 3 min de leitura
Depois de passar um ciclo inteiro no formato EAD, assim que voltamos à universidade passamos por uma enxurrada de práticas (do jeito que dava) em um curto período de tempo. Mas tudo bem, era tudo que queríamos, todo mundo já estava meio desmotivado e meio inseguro também por não poder treinar e não ter práticas. A gente se reinventava da forma que podia no EAD enquanto enfrentávamos uma pandemia. Na minha cabeça havia momentos em que a incerteza tomava conta, eu já não conseguia mais encontrar motivação, já me perguntava se aquilo realmente ainda era pra mim. No fim, internamente, eu sempre soube que quando conseguisse ajudar um paciente tudo valeria a pena, afinal, era pra isso que estudávamos todos os dias.
Chegou o primeiro dia de habilidades do 3⁰ ciclo, e agora teríamos pacientes de verdade - detalhe: até então todas as nossas práticas eram supervisionadas pelos professores.
Estava um pouco nervosa como de costume, não sabia direito como tudo ia funcionar, até que a professora nos dividiu em grupos menores e colocou cada um em uma sala para atender os pacientes. Em poucos minutos eu surtei muito, eu sempre fico muito ansiosa principalmente com experiências novas e acreditava que ainda não estávamos preparados pra isso.
“Eu mal tive práticas do ano anterior e jogam a gente aqui como se soubéssemos tudo?”.
Os efeitos da pandemia mais uma vez me obrigando a recalcular a rota e me colocando à prova. E num piscar de olhos o paciente chegou, eu estava completamente insegura, mas meus colegas deram um show e ai eu fui vendo que era possível, que o pouquinho que a gente fazia já ajudava.
O formato desses atendimentos nos estimulava a sempre ver o paciente como um todo, além da doença, o que o preocupava de verdade.
Daí foram aparecendo novos dias, novas consultas - muita ansiedade antes de cada paciente - e eu fui percebendo algo que se repetia nelas... Boa parte dos pacientes eram provedores da família, e quando procuravam o serviço, a reclamação era quase sempre a mesma: “essa dor aqui veio aumentando tanto que chega a me atrapalhar para trabalhar”. Dando seguimento às consultas, vinham outros choques de realidade ao perguntar sobre os hábitos de vida, sobre a alimentação, e descobri que não eram poucos os casos de insegurança alimentar. Isso acabava me desmotivando um pouco, a maioria dos tratamentos exigia repouso, fisioterapia ou até mesmo cirurgia. O que fazer para tratar alguém que não pode ficar doente?
As pessoas que pediam ajuda não haviam buscado antes porque não podiam ficar com fome ou deixar quem dependia deles com fome. A gente sabia que o mecânico com problemas no cotovelo não vai ficar de repouso e fazer fisioterapia, a lavradora que foi com fome pra consulta porque juntou o que tinha para passagem não vai parar e fazer a cirurgia que precisa, o pai de família que está com crise de ansiedade sem trabalhar há 9 meses não vai voltar para casa com uma solução imediata. E a sensação de impotência só aumentava.
No final da consulta, a gente aprende também que vai fazendo o que pode ser feito: encaminhar para assistência social, para apoio psicoterapêutico, tenta prescrever só com o que tem disponível no posto, conversa com essas pessoas, acolhe, abraça a dor do paciente e tenta achar uma solução junto com ele, uma forma de se reinventar, de criar renda com o que sabe.
Um pouquinho já é alguma coisa, um pouquinho todos os dias e assim fazemos a diferença na vida de várias pessoas. Nenhuma caminhada é fácil, precisamos manter o foco apesar de todas as frustrações que apareçam no caminho, fazer a nossa parte diante do todo e aprender a olhar com carinho para isso. No fim, mesmo que pouco, aliviamos de certa forma aquela dor e sentimos que o propósito está sendo cumprido.
Anônimo
Cuidar com objetivo de confortar o outro é algo muito gratificante. Não é fazer por fazer... Sou técnica de enfermagem e amo cuidar de gente, saber que no final da jornada fiz tudo que pude para fazer o melhor para o paciente é a sensação de missão cumprida!
Cuidar é mesmo uma tarefa importante e cheia de desafios, obrigada pelo seu relato, expressa bem esse sentimento que muitas vezes é meu também. Um pouquinho cada dia e fazemos a diferença na vida das pessoas.