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A mãe de todos os medos

  • integralizablog
  • 31 de mar. de 2023
  • 3 min de leitura

Atualizado: 15 de jun. de 2023

Afinal, qual é a raiz de todos os nossos medos? Há pouco estava refletindo sobre tal questionamento e me recordei sobre um evento que me marcou bastante, se tratava de um dos meus primeiros atendimentos médicos. Tudo ocorreu em uma manhã como as outras, no Hospital Universitário, durante uma prática de anamnese e exame físico. O nosso professor havia designado um paciente para cada aluno e comigo não era diferente, se tratava de um senhor já idoso, acompanhado por seu filho que aparentava ter cerca de cinquenta ou sessenta anos.

Adentrei a enfermaria e abordei o paciente sem nenhuma preocupação, eu estava preparado para aquele momento e logo no início me deparei com um paciente que praticamente não conseguia se comunicar e que parecia estar com muita dor. Ainda naquela época eu já havia percebido que, naturalmente, com certos pacientes em ambiente hospitalar, eu aplicava um certo distanciamento, como se fosse uma medida protetiva. Claro, nunca oblívio ao sofrimento alheio, mas com bastante seriedade, pois tinha uma função a exercer. Assim, fiz a anamnese — com o auxílio do acompanhante — e o exame físico e finalmente compreendi o paciente. Se tratava de Senhor C., um paciente oncológico de 94 anos que estava em estado terminal e eu não conseguia entender muito do que ele dizia, mas uma coisa era clara: ele estava sofrendo. Quando me deparei com o tempo, percebi que já havia dedicado mais de uma hora àquele paciente e precisava voltar para a sala e, assim, me despedi dele e de seu acompanhante. Foi nesse momento que aquele senhor que mal conseguia se comunicar fez questão de me dizer “Muito obrigado”.

Sim, meu caro leitor, toda essa prosa se baseia em um mero agradecimento. Contudo, se me permite elaborar, não havia interpretado aquilo como algo tão simples. Não, muito pelo contrário, até hoje acredito que nunca ouvi palavras tão genuínas como aquelas. Claro, mas e daí? Como exatamente tal agradecimento é tão grandioso? É simples, posso lhe garantir que, objetivamente, eu não fiz nada por aquele paciente, visto que não fazia parte da equipe encarregada pelo seu tratamento e cuidado e que até mesmo a minha anamnese e exame físico não foram direcionados para essa equipe, sendo completamente inúteis no final das contas. Logo, aquele senhor havia me direcionado palavras as quais claramente não merecia e isso, justamente isso, me fez questionar aquela situação. Ao final, cheguei à conclusão de que, sim, aquelas palavras eram verdadeiras e, para tanto, de alguma forma a minha atuação havia reduzido o sofrimento daquele paciente. Admito, por mais ínfima que tenha sido minha contribuição, de alguma forma ela trouxe um alívio àquele senhor e, assim, questiono: o que exatamente passava por sua mente naquele momento?

Medo. Um sentimento básico que todo ser humano sentiu de alguma forma ao menos alguma vez em sua vida. Não só isso, todos os medos, todas as fobias, circundam alguns medos primordiais, o medo do desconhecido, o medo do sofrimento e o medo da morte. Possivelmente muitos mamíferos sentem medo e talvez até outros animais, mas com certeza não há nenhum animal que sente mais medo do que o ser humano. Talvez seja por ter tanto medo que ele busca respostas e soluções para tudo e, de certa forma, a medicina moderna se desenvolveu durante essa busca. Se aquele senhor sentia medo naquele momento eu verdadeiramente não sei dizer. Contudo, se esse for o caso, é possível que ao conversar comigo, parte de seu medo tenha desaparecido. A verdade é que isso é algo que jamais saberei e que, talvez, aquilo que torna tudo isso tão intrigante seja justamente essa ausência de certeza.

Sem dúvida, a medicina é uma disciplina que reduz o medo que sentimos. Atualmente, muitas pessoas já nem sequer temem as doenças que em outra época assolavam populações inteiras, optando muitas vezes por nem sequer se vacinarem. Então me questiono, será que algum dia a medicina ou alguma outra ciência conseguirá fazer com que os seres humanos não tenham medo da morte? Talvez no futuro, com o avanço da tecnologia, um simples upload de sua mente para nuvem, lhe garanta a existência eterna. Contudo, será que uma vida assim ainda seria a mesma? Será que não passaríamos a temer alguma outra coisa? Só o tempo dirá.


Vinícius Torquato

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1 Comment


Ana Carina Faleta
Ana Carina Faleta
Apr 04, 2023

Eu amei esse texto, muito bem construído. Parabéns Vinícius, excelente reflexão

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