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Etiologia

  • integralizablog
  • 28 de mar.
  • 2 min de leitura

Durante os quase 2 anos de pandemia as atividades presenciais da Universidade Federal de Sergipe foram suspensas, sendo as atribuições acadêmicas desenvolvidas de forma online. Portanto, no período entre 2019-2020 não tivemos contato direto com pacientes. Aproveitei parte do meu tempo livre para retomar um velho hábito, a leitura. Um dos livros escolhidos foi “É assim que acaba”, da autora norte-americana Colleen Hoover. Na trama baseada em fatos reais experienciados pela autora, a protagonista vivencia a triste história de mulheres que sofrem violência doméstica, cresceu vendo a mãe ser vítima de agressões do pai e tornou-se adulta sofrendo com o namorado. Um dos trechos do livro trazia a seguinte mensagem: "Dedico esse livro ao meu pai, por fazer o que pôde para não mostrar o pior de si. E para minha mãe, por garantir que nunca víssemos o pior dele”.


Lembro que me senti muito impactada com essa leitura, a qual me veio à memória novamente quando, após o retorno das aulas presenciais, eu e mais dois colegas atendemos uma paciente em uma UBS de Lagarto. A paciente havia chegado com uma queixa de cefaleia holocraniana contínua há um mês, no desenvolver da anamnese interrogamos sobre o seu estado emocional, demonstrando tensão ela afirmou que sofria violência doméstica desde o início do seu casamento, no caso, há 12 anos. Confesso ter sentido um nó na garganta ao ouvir as diversas atrocidades e ameaças feitas pelo marido contra aquela jovem mulher, inclusive durante a entrevista ela recebera uma ligação do mesmo. A paciente chegou a comentar que sua filha, de apenas 10 anos, tem fortes crises de ansiedade durante a discussão dos pais. A mãe comentou já ter tentado denunciá-lo, mas não recebeu apoio e orientação na delegacia. Atualmente, sente-se impedida de realizar o divórcio por medo da concretização de ameaças. Nos disse que costumava praticar atividade física, mas devido a agressividade do cônjuge costuma faltar à academia nos dias em que ele, caminhoneiro, está em casa, pois não quer deixar sua filha sozinha com o pai.


Nesse atendimento compreendi que o significado da “visão holística do paciente” não é restrito à exploração dos sistemas orgânicos por completo, mas abrange todas as questões envolvidas na vida de um ser. Percebemos que a paciente é atendida na unidade desde 2007 e as queixas de cefaleia são frequentes, entretanto a primeira vez que se interrogou tal componente foi justamente nessa consulta. Às vezes nos preocupamos tanto em compreender a etiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento das enfermidades e esquecemos que a causa da afecção pode estar dormindo ao lado do enfermo. Meus sentimentos nesse atendimento foram muito mais intenso que as emoções desencadeadas pelo livro supracitado, vi nessa mulher/mãe/guerreira uma realidade revoltante, a qual não pode ser encarada por nós, futuros profissionais de saúde, com apenas o empático “sinto muito”, é preciso intervir. Portanto, prescrevemos sim medicamentos para a queixa principal, mas antes de tudo nos voltamos para o fator causal, ou seja o processo familiar, e encaminhamos a paciente para o serviço social e para a psicologia.

 
 
 

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