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Discussão: Segurando a emoção - O peso de cada vida

  • integralizablog
  • 11 de dez. de 2024
  • 3 min de leitura

Em uma tarde aparentemente rotineira, dentro de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), a tranquilidade da rotina médica foi quebrada por um encontro inesperado de emoções profundas. Era mais um atendimento, uma paciente com seus problemas, uma história clínica a ser analisada. Contudo, algo mais se escondia naquela sala, algo que não estava descrito nos prontuários, algo que fugia das anotações frias e impessoais.


Ali estava ela, uma senhora na casa dos 60 anos. Um quadro aparentemente comum: hipotireoidismo, um pigarro persistente e uma secreção que a acompanhava especialmente pela manhã. Sentada, sua postura era tímida, retraída, com a cabeça baixa, como se tentasse se esconder da própria dor. A cena, tão comum para qualquer médico em formação, despertou algo mais profundo na aluna que a observava.


O olhar da paciente não era apenas um olhar de sofrimento. Era um reflexo de algo mais. Ao vê-la, a estudante não pôde evitar uma invasão de sentimentos que, por um momento, tomaram conta dela. A postura curvada daquela mulher, seus gestos de concordância silenciosa, pareciam imitar, quase como um espelho, a imagem de sua própria avó. O peso dessa lembrança era insuportável. De costas, com aquele semblante calado, a paciente não era apenas uma idosa com problemas de saúde. Ela era a própria figura de sua avó, que há poucos meses se fora, vítima da COVID-19. Uma partida sem despedida, sem o adeus final que todos nós, de alguma forma, desejamos dar.


A memória foi avassaladora: a última conversa ao telefone, o consolo que tentou oferecer, dizendo que tudo ficaria bem, quando no fundo sabia que não era bem assim. O aperto no peito que sentiu ao perceber que, naquelas últimas palavras, não podia fazer nada mais do que prometer um reencontro que nunca aconteceu. O sofrimento da avó, com dores nas costelas, tudo voltou à tona naquele momento.


Mas o que realmente fez a estudante se contorcer em silêncio não foi apenas a dor de perder alguém querido, mas a revelação de uma verdade universal: cada paciente que chega até nós, por mais anônimo que pareça, é profundamente amado por alguém. Cada história de vida que cruzamos tem um significado, uma família, um contexto que transcende as questões clínicas. Cada paciente é, de certa forma, um reflexo de quem somos ou de quem amamos.


E foi isso que a estudante compreendeu, ali, dentro daquela sala simples de atendimento. O que ela vivia não era apenas um aprendizado técnico sobre sintomas e diagnósticos. Era sobre acolher a dor humana, era sobre ser sensível à vida, mesmo quando a medicina exige frieza e objetividade. A saudade da avó a levou a refletir sobre o cuidado, sobre a importância de cada gesto, cada palavra, cada olhar. A missão de se colocar no lugar do outro, de tratar não apenas a doença, mas o ser humano por trás dela.


“Estamos aqui para aprender”, pensou a estudante. "Mas o aprendizado vai além da técnica, da teoria. Estamos aqui para cuidar, para fazer com que cada paciente se sinta, de alguma forma, especial, única. E talvez, no fundo, todo paciente deseje apenas ser tratado como gostaríamos que nossos próprios entes queridos fossem tratados."


Enquanto ela mantinha a postura profissional, tentando disfarçar a emoção que ameaçava transbordar, a aluna fez um pacto consigo mesma. A partir daquele momento, ela iria se esforçar para cuidar de cada paciente da forma mais humana possível, como sua avó mereceria ser cuidada, com carinho, respeito e atenção, pois, no fundo, todos nós queremos ser vistos e amados, mesmo nos momentos mais frágeis.


Atenciosamente,

Equipe Editorial Integraliza!

 
 
 

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