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Eu teria a coragem dessa paciente?

  • integralizablog
  • 13 de fev.
  • 3 min de leitura

Um dia de visita domiciliar com meus colegas de turma, fomos visitar uma senhora, dona Helena, acamada que havia tido um AVE há alguns meses. Chegando lá, a casa era humilde, estavam as três filhas de dona Helena, seu neto e ela, acamada. A equipe da UBS havia ido com o carro cheio, só eles ocupavam todo o quarto da senhora, então eu e meus amigos ficamos do lado de fora, nos esforçando para ouvir a história. A entrevistada foi uma das filhas, que aqui, chamaremos de Andreia. Andreia contou a história clínica à equipe e depois conversamos a sós com ela. Moça jovem, procedente de Salvador, tem 3 filhos adultos e é casada, trabalhava como cabeleireira, antes de vir para Lagarto. Ela contou que largou tudo, só para vir cuidar de sua mãe, deixou seus filhos, seu marido, seu trabalho, sua casa e sua vida, para dar a assistência que sua mãe precisava.


Ao chegar aqui, logo teve um impasse, o atual marido de sua mãe, não concordou que a esposa fosse morar com as filhas e ser cuidada por elas, preferia contratar alguém e mantê-la em casa. Após muitas brigas com o padrasto, Andreia e suas irmãs conseguiram o direito de cuidar de sua mãe.


Andreia nos contou que tudo com Dona Helena era muito difícil, ela não tinha apenas sequelas motoras do AVE, ela possuía afasia de Wernicke, que a impedia de se comunicar com as pessoas. Quando tentava dizer algo, era como se falasse em outro idioma, ninguém a entendia, mas ela entendia a todos. Contou que além dessa dificuldade, dona Helena possuía tendências depressivas e uma forte dependência emocional do marido, e que com as sequelas do AVE, isso tudo só se agravou.


Andreia ia contando e ficando cada vez mais emocionada, tentando segurar o choro ela dizia que sua mãe não valorizava seus esforços e o de suas irmãs. Disse que para dona Helena o que importava era onde estava o marido dela, porque não ficava ali com ela, se estaria se divertindo sozinho ou se estaria com outra pessoa. Helena passava o dia todo agitada, sempre fazia questão de passear, só para passar na frente de sua antiga casa e ver se o marido estava lá. E se ele não estivesse, para ela era sinal de que tinha saído para viver...sem ela. Só isso era motivo para um dia inteiro de resmungos, grosserias, automutilação e mal-humor, que suas filhas tinham que aguentar dia após dia.


Andreia aos prantos dizia estar exausta, mal tinha tempo para cuidar de si mesma, estava com saudade de sua família e disse que tudo o que queria era que sua mãe ficasse bem, para que ela pudesse voltar para casa de consciência tranquila. Para ela não importa se terá que ficar ali por 1,2 ou 3 anos, contanto que ao ir, sua mãe não esteja mais dependente de um homem que não se importa com ela, e que esteja bem emocionalmente para não necessitar mais dos cuidados constantes de Andreia.


Essa história é sobre amor. O amor que Andreia tem por sua mãe, que a fez largar toda a sua vida e dedicar inteiramente aos cuidados de quem um dia cuidou dela. E é sobre a face oposta do amor, é sobre o apego, o apego doentio e dependente que dona Helena sente por seu marido, que aprisiona sua alma e a impede de viver fora do sofrimento.


Vê-las em tal situação me fez refletir, me colocar no lugar de Andrea e pensar: “Se fosse comigo, eu teria coragem de largar toda a minha vida desse jeito?” “Teria coragem de aguentar todos esses desafios, sem que nem mesmo fosse reconhecida pelo cuidado?”... Sinceramente, não acho que eu seja tão forte, e pra mim Andreia é uma guerreira... a trarei na memória com admiração e como fonte de inspiração.


Autora: Iara Victória dos Santos Moura

 
 
 

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