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O autocuidado possibilita a atenção integral do outro

  • integralizablog
  • 25 de fev. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 15 de jun. de 2023

Quem nunca ouviu falar que muitos médicos cuidam da saúde das pessoas, mas deixam o cuidado da própria saúde a desejar? Infelizmente isso está se tornando cada vez mais comum, sobretudo no campo da saúde mental, o que reflete no aumento de casos de ansiedade, depressão, síndrome de burnout e outras, entre os profissionais. Infelizmente essa realidade é vista já nas academias. Assim decido iniciar a narrativa do melhor atendimento que vivenciei enquanto acadêmica na metade do curso de medicina.

Bom, para começar, preciso pontuar que estava em uma semana difícil, pois fui para a minha primeira consulta, após grande resistência, com o psiquiatra e sentia tudo desmoronar dentro de mim. A sensação era que havia um gatilho prestes a disparar, o qual tinha potencial para destruir tudo que até então eu havia construído. Contudo, eu sabia que existia algo com potencial de manter esse gatilho sem disparar: a espiritualidade. Então me apeguei, mais uma vez, a ela já que eu precisava me manter firme nos estudos, afinal o mundo não para até ficar tudo bem.

Com grande ansiedade pensava nesse atendimento, pois o meu pensamento imediatista me atemorizava:

"E se for um paciente com problemas psiquiátricos, como reagirei?”, “Será que vou conseguir fazer um bom atendimento? E se eu apresentar alguma crise de ansiedade?”

Questionamentos e mais questionamentos.

Minha dupla de atendimento nesse dia foi o Nicolas, juntos pegamos um prontuário repleto de folhas de continuação de retorno. Fiquei pensativa, mas ao ver a última consulta e notar que foi com a ginecologista logo tranquilizei. Respirei aliviada e pensei: “Que bom que não é um caso psiquiátrico”. E aqui te convido a refletir: Por que temos essa mania errada de olhar o paciente fragmentado ao invés de inteiro? O fragmentamos tanto que esquecemos que para lidar bem com o outro é preciso enxergá-lo inteiro a fim de conhecer o possível da sua singularidade.

Fomos para o consultório e chamamos a paciente, que se chamava Tereza. Ela chegou sorridente, a cumprimentamos e perguntamos o motivo da consulta, de imediato ela relatou que as dores recorrentes não tinham solução, doía em todos os lugares e que, apesar de ir para diversos médicos das mais variadas especialidades, não conseguiu nenhum resultado efetivo, pois a dor nunca cessava.

Conversamos com ela e buscamos mais informações a respeito do seu quadro clínico quando, de repente, Nicolas, afetuosamente, perguntou qual a visão dela sobre a sua saúde. Dona Tereza, chorando, respondeu que não enxergava saída, pois não se sentia útil, uma vez que estava impossibilitada de trabalhar e seu relacionamento conjugal era conflituoso. Assim, ouvi com atenção tudo que ela relatou e, ao me por em seu lugar, falei a ela tudo aquilo que luto para aprender na prática:

“Calma, dona Tereza! Uma luta por vez! A senhora precisa se reconhecer como guerreira, olhe para trás e visualize tudo que a senhora já conquistou, todas as dores que enfrentou, veja o quanto és incrível!”.

Frisei, ainda, que ela não se resumia as suas dores.

Dona Tereza é alguém que vale a pena e não poderia, de forma alguma, se limitar pela sua doença, pois estava esquecendo-se de transbordar pelas suas vitórias e, principalmente, de seguir em frente, vivendo um dia de cada vez. Para isso, falei que ela precisava ir além, não pensar no amanhã já como um problema, mas, pelo contrário, viver o hoje e vencer as dificuldades do hoje, não se acomodar com as coisas ruins e sempre buscar o lado bom, e claro se olhando com amor e calmaria, pois a pressa poderia a impedir de viver momentos incríveis.

Dona Tereza nos olhou com um olhar de esperança e disse que tentaria enxergar a vida com outros olhos e que continuaria lutando, pois se considerava uma guerreira. Era isso que faltava: reconhecer a força que carrega dentro de si e que é capaz de vencer até as batalhas diárias mais difíceis. Ela é uma paciente que precisava bastante de investigação, por isso, após essa consulta aqui narrada, ainda tivemos mais três consultas com ela, nas quais percebemos que ela estava se cuidando e se esforçando para seguir as nossas recomendações. Essa consulta, com certeza, mudou a minha forma de enxergar o paciente, pois muitas vezes ele necessita de atenção e de alguém que olhe, também, para ele e não somente para a sua patologia.

Quando me questiono sobre como consegui dizer essas coisas e reagir à consulta, já que estava debilitada emocionalmente, lembro que a minha espiritualidade me colocou de pé todas as vezes que pensei em ficar no chão e, além disso, percebi que somente conseguiria olhar para o paciente da forma que ele merecia se eu me enxergasse integralmente primeiro. O olhar de dona Tereza, repleto de esperança na tentativa de não se limitar as suas dores, me regou com a esperança que eu precisava para me enxergar diferente e decidir pelo meu tratamento, afinal a médica que eu serei reflete no que estou plantando diariamente, e eu escolhi plantar cuidado, gratidão e esperança, para o outro e para mim.

É certo que a cura anda de mãos dadas com a esperança e adora dançar com a paciência, e que ela tem o seu tempo e o seu propósito, assim como eu e como tantas outras Terezas que estão por ai sofrendo com dores, cada uma com sua singularidade, mas com a particularidade do desejo de ser vitoriosa. As doenças não podem limitar a infinidade de possibilidades que nos torna humanos. A medicina precisa ser um espelho no qual o paciente consiga enxergar a saúde em todos os seus âmbitos, nem sempre o reflexo vai ser de cura, mas é importante que o cuidado e a singularidade sejam vistos.

Dayane Ketlyn da Cunha Santos

Discente da med 6 UFS - Lagarto


Comentário do blog:


A narrativa: O autocuidado possibilita à atenção integral do outro, traz a discussão de pontos extremamente atuais e importantes como a hipercondria (ato de minimizar sentimentos, envergonhar-se de adoecer e não buscar ajuda) e a saúde mental, focando nos estudantes de medicina e profissionais, bem como na sociedade atual. Os transtornos psíquicos/emocionais estão galopantes em sua expressão, com as mais variadas manifestações de desequilíbrios. A espiritualidade como ferramenta de superação das adversidades, de conquista da resiliência e estímulo a esperança e realização de propósito de vida, é outro ponto trazido pela narrativa, além da habilidade de comunicação que os profissionais deve desenvolver nas diversas situações que irá deparar-se.

A medicina tanto na formação acadêmica quanto no exercício da profissão vem passando por mudança relevantes desde o século passado para o tempo atual, trazendo no seu bojo condições desgastantes e exposição a situações estressantes. Fazendo, assim, com que esse grupo de alta vulnerabilidade adoeça física e psiquicamente, estando no topo das estatísticas de transtornos mentais/emocionais, suicídio e dependência de substâncias psicoativas. Isso, portanto, exige um olhar especial para esses dois grupos (acadêmicos de medicina e médicos). Além disso, existem trabalhos mostrando que esse grupos têm uma autopercepção confusa quanto os seus estados de saúde e um autocuidado comprometido sem a percepção real desse comportamento de risco.

Dessa forma, trabalhos vêm trazendo que a abordagem espiritual (como nesta narrativa ficou claro) tem contribuído com esse grupo e com a população geral no enfrentamento de problemas de saúde, de eventos estressores e no emponderamento para sair de crises mantendo a saúde física e /ou mental.

Por isso a espiritualidade vem sendo abordada no meio acadêmico com um crescimento progressivo pela importância na abordagem em saúde. Espiritualidade sendo entendida como busca pessoal, visando entender questões relacionadas ao fim da vida e ao sentido de viver, ou que dizem respeito às relações com o sagrado ou transcendente, que pode, ou não, levar ao desenvolvimento de práticas religiosas. A Espiritualidade em saúde tem ganhado campo na grade curricular dos cursos de saúde, e a simpatia não só do alunado, mas dos pacientes que comprovadamente em pesquisa confirmam querer que seus médicos/ profissionais de saúde, abordem aspectos da sua espiritualidade/religiosidade.

Será esta a mudança que precisamos ampliar para atingir de fato a abordagem da saúde integral dos pacientes? Será que isso nos permitirá fortalecer vínculos, ter empatia e atuar na terapêutica da simples escuta e na habilidade de comunicarmos com os pacientes? Deveremos estudar e inserir a espiritualidade nos currículos?
Será que a sensibilização através da abordagem espiritual/religiosa permite sensibilizar e despertar a consciência dos pacientes, dos próprios profissionais e estudantes para seu autocuidado e seu modo de viver?

Devemos refletir.


Acreditamos que seja um caminho que a academia precisa percorrer para responder a tais indagações.


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Referências:

  1. Pinto D. R. 1; Almeida T.E.P.; Miyazaki M.C.O.S., A saúde e estresse ocupacional em médicos. Arq Ciênc Saúde 2010 out-dez; 17(4):201-5

  2. Geppert C, Michael P, Bogenschutz & William R. Miller(2009). Development of a bibliography on religion, spirituality and addictions, Drug and Alcohol Review, 26:4,389-395, DOI: 10.1080/09595230701373826

  3. Koenig, HG. Religion, spirituality, and medicine: research findings and implications for clinical practice. Southern Medical Journal. 2004; 97, 1194-1200. doi:10.1097/01.SMJ.0000146489. 21837.CE

  4. Ferreira AGC, Oliveira JAC, Jordán APW. Educação em saúde e espiritualidade: uma proposta de transversalidade na perspectiva do estudante. Interdisciplinary Journal of Health Education. 2016 Jan-Jul;1(1):3-12. http://dx.doi.org/10.4322/ijhe2016005.

  5. Puchalski, CM. The hole of spirituality in health care. BUMC Proceedings, Waco.2001; v. 14, n. 4, p. 352-357

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1 comentario


Hugo Resende
Hugo Resende
26 feb 2021

😍😍😍

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